Por Wallace Neves | Sommelier
Foto Divulgação
Estou na contagem regressiva para completar 15 anos de experiência como Sommelier profissional. Nesses quase quinze anos, me permiti trabalhar em dezenas de restaurantes, hotéis, conheci centenas de vinícolas da América do Sul e Europa, trabalhei com grandes chefes, fui vencedor de várias competições, sou o atual Melhor Sommelier do Brasil e estou me preparando para representar nosso país no Concurso de Melhor Sommelier das Américas, que ocorrerá no México.
Uma das grandes competências do Sommelier Profissional está na sensibilidade de degustar vinhos e outras bebidas. Essa parte do nosso ofício é conhecida como Análise Organoléptica. Degusto, anualmente, centenas de vinhos de várias regiões do planeta! E com esses anos dedicados ao vinho, não é exagero afirmar que já provei milhares de garrafas. Posso afirmar que existem vinhos que são singulares, curriculares, extraordinários! Poucos sommeliers no mundo tiveram o privilégio de sentir todas as nuances desses néctares.
Nesse artigo, iremos iniciar uma série de matérias onde compartilho alguns dos vinhos mais emblemáticos de cada país produtor ao redor do globo, que tive o prazer em degustar a convite de vinícola, importadoras ou até mesmo servindo nos restaurantes que trabalhei. E como profissional, sempre provamos o primeiro gole. Nessa primeira viagem, iremos percorrer a França. Convido você a encher sua taça com vinho de sua preferência e viajar em nossa leitura. Aqui, irei desmembrar as experiências em ordem cronológica de serviço, iniciando por: Champagnes, Brancos, Rosés, Tintos e Doces.
Primeiro Ato – Champagnes
Na época em que trabalhei no restaurante Garcia & Rodriguês, no Rio de Janeiro, recebemos uma família que estava comemorando a formatura de um dos integrantes. Quando me apresentei à mesa com a carta de vinhos, entreguei a mesma ao anfitrião, que acabou escolhendo o famoso Champagne da Casa Louis Roedere, que se chama Cristal. Evidentemente, me surpreendi com a escolha. Me recordo que mostrei novamente a escolha do cliente na carta com meu dedo indicador apontado para o preço do Champagne. O cliente me confirmou e, gentilmente, me convidou a fazer a “análise” de seu Champagne. O Champagne Cristal é sinônimo de requinte, energia e luxo. Foi feito sob encomenda para o Czar Alexandre II em 1876. E suporta um longo envelhecimento. Em 2019 degustei um Cristal safra 1978.
Anos mais tarde, trabalhava como Wine Manager na Locanda Della Mimosa, em Petrópolis (RJ). Um champagne que tive a oportunidade de degustar com certa frequência era Dom Pérignon, o champagne mais importante da Casa Moët et Chandon. A vinícola foi fundada em 1743 e é uma das mais tradicionais da região da Champagne.
Dom Pérignon também é elaborado nas melhores safras e tem esse nome em homenagem ao monge Dom Pierre Pérignon, que era o responsável da cave da abadia de Hautivillers e aperfeiçoou a produção do Champagne.
Segundo Ato – Brancos e Rosés
Quando falamos em vinhos brancos secos, ou seja, vinhos sem percepção dos açú cares, temos como base dois estilos: brancos sem madeira e brancos com madeira. Geralmente, os brancos sem madeira são vinhos mais leves, aromas cítricos, ácidos e frescos. Já os amadeirados possuem uma cor dourada, notas tropicais, menos acidez e mais peso no paladar. Aqui irei mencionar um de cada estilo. Certa vez, estava apresentando um jantar harmonizado no hotel Transamérica, na Barra da Tijuca (RJ). Era início de primavera e me recordo que estava um dia bastante quente. A entrada proposta pelo nosso Chef foi uma bandeja de ostras de Santa Catarina. E se tem um vinho que faz um casamento perfeito com as ostras frescas sem dúvida é o Chablis, feito com a uva Chardonnay na região de mesmo nome. O clima é continental,solos calcáreos e seus vinhos se caracterizam pela elevada acidez e mineralidade. O Chablis escolhido para nossa huitres fraiches foi do famoso produtor Joseph Drouhin. Esta maison permanece nas mãos da mesma família desde sua fundação, em 1880.
Seus 80 hectares de vinhedos são classificados, em sua maioria, como Premier e Grand Crus e cultivados de maneira biodinâmica e orgânica. Existe um ditado que diz: “Quem tem amigos não morre pagão.” Um grande amigo, também sommelier, me convidou para almoçar em sua residência e preparou um ravioli recheado com foie gras e manteiga de sálvia. Ele me pediu para ir à sua adega escolher um vinho. Dentre as incríveis opções, optamos por um Chardonnay monumental: Les Montrachet do Domaine Leflaive. Se trata de um vinho Grand Cru da Bourgogne, rico em sabor e textura, bastante opulento.
Ainda permanecendo nos estilos de vinhos mais leves e frescos, recomendados para acompanhar entradas e pratos com carnes brancas, vou compartilhar minha experiência recente com vinho Rosé, que tem esse nome devido à coloração dos seus vinhos serem rosadas. E são duas técnicas mais utilizadas para sua elaboração: sangria e prensagem direta. Uma região que é famosa pela produção e qualidade dos vinhos rosados é a Provence.
Recentemente, a convite da importadora Mistral, participei de uma degustação exclusiva com os vinhos da Famille Perrin, em Belo Horizonte. Almoçando com o diretor comercial da Vinícola Alejandro Panignini, tive a oportunidade de conhecer boa parte dos vinhos produzidos por essa importante família. O maior destaque para o vinho rosé da degustação foi o Studio By Miraval, da denominação IGP/Mediteranée. Elaborado com as uvas Cinsault, Grenache, Rolle (Vermentino) e Tibouren de vinhas da Riviera Francesa, de um vinhedo rodeado por oliveiras e pinheiros. Miraval é uma vinícola que pertence ao ator Brad Pitt.
Terceiro Ato – Tintos
Sem sombras de dúvidas, o estilo de vinho mais apreciado no Brasil é o tinto. E podemos encontrar perfis variados: leves, encorpados, frutados, amadeirados, jovens, envelhecidos, etc. Minha primeira experiência como Sommelier Profissional foi na própria escola onde tive a minha primeira formação: Associação Brasileira de Sommeliers Rio de Janeiro. Em meu terceiro dia de trabalho, Roberto Rodrigues, um dos professores da instituição e que muito me ajudou no início da minha carreira, promoveu um evento intitulado “Onde está o Grand Cru Classé?” Nessa degustação, foram servidos cinco grandes vinhos às cegas, ou seja, sem que pudéssemos observar os rótulos. Dentre os vinhos, um era Grand Cru Classé. E o primeiro a gente jamais esquece. Quando foi apresentado o resultado da prova, fiquei em estado de êxtase! Foi servido o elegante e soberbo Ducru Beaucaillou 2003, vinho da comuna de Saint-Julien classificado como Deuxième Cru Classé na famosa classificação de Medóc em 1885. Na ocasião, somente os tintos de Medoc e os vinhos doces de Sauternes e Barsac foram classificados em uma categoria de Premiers Cru à Cinquièmes Crus.
Na época em que atuava como Sommelier na Grand Cru da Barra da Tijuca, ganhei de presente para comemorar meu aniversário um outro grande vinho de Bordeaux. Se tratava do Pontet Canet 2002. Acabei levando esse vinho para um dos melhores Steak House do Brasil para fazer uma harmonização com um suculento corte de carne especial. É um vinho sublime!
Acredito que sou um dos pouquíssimos profissionais do vinho que teve o privilégio de provar um Château Petrus, um dos vinhos mais caros do mundo, cujo nome é uma menção a São Pedro (Petrus em latim). Ele é produzido em Pomerol e seus vinhedos não ultrapassam uma dezena de hectárie. Confesso que já degustei algumas safras desse grande vinho. Mas a primeira vez foi que me marcou. Atuava como Sommelier do restaurante L’Etoile, na cobertura do hotel Sheraton, no Rio de Janeiro. Um cliente levou um Petrus 1995 para acompanhar seu jantar.
Por se tratar de um vinho que, na época, já tinha completado vinte anos, fiz uma decantação por sedimentação. Vale lembrar que vinhos tintos de guarda acumulam sedimentos (borras) com o passar dos anos. E não é nada agradável o sabor. Então, o sommelier passa o vinho para uma jarra de cristal com auxílio de uma fonte luminosa - nesse caso usei vela, para separar o liquido dos sólidos. E o cliente me ofereceu uma taça. Deixei meu dedo de vinho guardado em um aparador e só quando todos os clientes foram embora me sentei, convidei
o chef de cozinha do restaurante, que na época era o argentino Emanuel Serrano, discípulo de Jean Poul Bondoux, para dividir essa experiência.
Quando completei 34 anos de idade, trabalhava junto ao mestre Danio Braga, na Locanda Della Mimosa. Na ocasião, abri um Echezeaux 1984, do Domaine Perdrix. Justamente no ano do meu nascimento e no dia do meu aniversário. Echezeaux é um vinhedo Grand Cru localizado entre Vougeot e Vosne-Romanée na Bourgogne França. 100% Pinot Noir, esse vinho possuía uma característica rica, expressiva, aromática, de paladar intenso e elegante com final longo e persistente.
Último Ato – Vinho de sobremesa
A França também é berço de alguns dos vinhos doces mais surpreendentes do mundo! Confesso que já degustei muitos vinhos memoráveis. Banyulls, Sélection de Grains Nobles, Muscat de Beaumes de Venise e etc. Mas nenhum deles me marcou mais que o Château d’Yquem, um vinho licoroso superlativo. É produzido em Sauternes (sul de Graves) em Bordeux, onde a umidade elevada, seguida de tardes quentes e ensolaradas faz com que as uvas de Sauternes sejam atacadas pelo fungo Botrytis Cinerea, fazendo com que os frutos percam líquidos, potencializando os açucares e acidez. O resultado é um vinho de cor dourada, denso, aromas de pêssego em calda, folha de laranjeira, mel, lã molhada e gengibre. Seu sabor é encorpado, riquíssimo e uma perfeita harmonia entre acidez e doçura. O Château d’Yquem que tive o privilégio de provar foi da safra 1983. Ele tinha uma cor dourada profunda quase âmbar, aromas de especiarias e frutas em calda, de sabor suntuoso, com bom corpo e que até hoje, cinco anos depois dessa experiência, consigo sentir seu sabor.
- Vocês conseguem mensurar o grau de dificuldade em escolher dentre centenas de vinhos franceses que provei, selecionar somente dez? Confesso que somente em vinhos da França eu poderia escrever um livro! Espero que tenham gostado da leitura. Se ficou alguma dúvida podem me enviar no Instagram @wallace_sommelier que terei enorme prazer em responder.
Saúde e até a próxima Wine Experience!
Wallace Neves, Sommelier, consultor, palestrante e professor da Associação Brasileira de Sommeliers. Com alguns prêmios na carreira, conquistou os títulos de “Campeão Concurso Sommelier Novos Talentos (2011)”, “Sommelier do ano Rio Wine And Food Festival RJ (2016)” ,“Melhor Sommelier do Brasil em Vinhos do Alentejo (2017)”, tornando-se Embaixador dos Vinhos do Alentejo no Brasil e Melhor Sommelier do Brasil 2022
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