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Reforma Trabalhista: como afeta processos e condenações

Publi Editorial

Foto: Mauro Marques



Após o início da vigência da Lei 13.467 de 2017, popularmente conhecida como Reforma Trabalhista, o legislador incluiu na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) o artigo 223-G, § 1º, implementando o tabelamento de valores em relação ao arbitramento de condenação em casos de reconhecimento de danos extrapatrimoniais / morais e definiu a o salário contratual do assediado como base de cálculo de referida penalidade.


Incontáveis discussões foram iniciadas em relação a referido tabelamento, pois, evidentemente, representou grave retrocesso em relação ao tema dano moral, por implicar em afronta ao princípio da isonomia, mitigação da amplitude da reparação integração dos danos extrapatrimoniais, violação à dignidade da pessoa humana e por impor limites à atuação do próprio Poder Judiciário, entre outros.


Com referidas alterações legislativas, o salário contratual passou a ser base de cálculo para liquidação pecuniária do dano, e conforme determinações do rol apresentado no artigo 223-G, § 1º alíneas I, II, III e IV, a indenização poderia alçar ao valor máximo de até 50 salários do assediado, a depender das situações lá dispostas. Implementou-se verdadeiro critério objetivo tarifário quando se fala em quantificação das indenizações por dano moral, pois o Julgador deveria obrigatoriamente subsumir às seguintes parametrizações: a) dano leve, indenização de até 3 vezes o salário contratual (art. 223-G, § 1º, I); b) dano médio, indenização de até de até 5 vezes o salário contratual (art. 223-G, § 1º, II); c) dano grave, indenização de até 20 vezes o salário contratual (art. 223-G, § 1º, III) e d) dano gravíssimo, indenização de até 50 vezes o salário contratual (art. 223-G, § 1º, IV).


A Banca de Advogados PTZ, imediatamente após as alterações legislativas, se filiou ao entendimento de que a tarifação das condenações advindas de danos extrapatrimoniais representaria flagrante mitigação a princípios básicos dos trabalhadores bem como limitaria grosseiramente a atuação do Julgador. Veja-se que o dano moral envolve situação fática subjetiva, com sensibilidades próprias que devem ser vergastadas a cada caso, que não podem ser analisadas com olhares puramente objetivos e tarifários.


Em conjectura, pensemos em um caso envolvendo a morte de um ex-funcionário em prestação de serviços e que recebia mensalmente R$ 1.320,00 de salário. Em eventual condenação, certamente haveria o reconhecimento de um dano moral gravíssimo, que segundo os critérios legais poderia permitir a condenação apenas ao quantum máximo equivalente a 50 vezes o salário do empregado, no caso, R$ 66.000,00. Assim, indaga-se sem pretender exaurir as questões que envolvem as particularidades do exemplo: de fato houve a reparabilidade do dano? A vida do empregado pode ser monetizada em 66 mil reais? A empresa de fato foi pedagogicamente punida ou incentivada a remediar os problemas internos que causaram a morte do empregado? Aplicar a metodologia da tarifação inviabiliza a efetividade da reparação integral do dano, e consequentemente a dignidade da pessoa humana, criando graves obstáculos à indenizabilidade devida ao ofendido. Ainda, o principio da isonomia acaba por ser desconsiderado, pois aos olhos da nova lei o tabelamento legitimaria o tratamento em desigualdade. Tomemos mais um exemplo: dois funcionários de uma mesma empresa que fossem vitimados por um mesmo fato, mas que, caso possuíssem remunerações distintas, poderiam ter indenizações com valores destoantes, isso, com o amparo da lei.


A questão tem desdobramento que não se limita apenas no campo positivado propriamente dito, e em verdade esbarra até mesmo em questões principiológicas e conceituais, como temáticas que questionam a própria efetividade da justiça. Noutro giro, grosso modo, entende-se que o tabelamento em comento imporia limites de atuação ao Julgador, que seria praticamente equiparado um simples aplicador contábil, não mais tendo qualquer discricionariedade para judicar, pois a lei definiu os tetos afetos ao quantum indenizatório da matéria em comento.


Em compasso com as ideias ora defendidas, merece destaque o movimento vanguardista em controle difuso de constitucionalidade realizado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região – TRT-3 (Minas Gerais) e o Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região – TRT-23 (Mato Grosso), que declararam a inconstitucionalidade do tabelamento de valores do artigo 223-G, § 1º alíneas I, II, III e IV.


O Regional Mineiro via Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade nos autos nº 0011521- 69.2019.5.03.0000 se manifestou declarando que “(...) os §§ 1º a 3º do art. 223-G da CLT constitui violação do princípio basilar da dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais à reparação integral dos danos extrapatrimoniais e à isonomia (...)”, logo, são inconstitucionais. Já o TRT da 23ª Região editou a Súmula nº 48, que em resumo, assim preceitua “(...) É inconstitucional a limitação imposta para o arbitramento dos danos extrapatrimoniais na seara trabalhista pelo § 1º, incisos I a IV, do art. 223-G da CLT por ser materialmente incompatível com os princípios constitucionais da isonomia e da dignidade da pessoa humana, acabando por malferir também os intuitos pedagógico e de Reparação integral do dano, em cristalina ofensa ao art. 5º, V e X, da CR/88 (...)”. Considerando a reincidência e seriedade do assunto, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi movimentado a se manifestar via Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5870, 6050, 6082 e 6069, que tiveram julgamento em conjunto pelo Tribunal Pleno do STF em 26 de junho de 2023. As ações foram interpostas pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI) e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), e tratavam sobre variados nuances do tema relacionado ao artigo 223-A e 223-G da CLT, não se limitando apenas ao tabelamento e base de cálculo do dano moral. As ações ficaram sob relatoria do Ministro Decano Gilmar Ferreira Mendes. As ADI 6069, ADI 6050 e ADI 6082 foram julgadas conjuntamente e a ADI 5870 teve perda superveniente de objeto e por isso o julgamento foi prejudicado. No que se refere ao assunto do presente artigo, ou seja, o tabelamento do quantum indenizatório do dano moral, o STF entendeu por sua constitucionalidade, entretanto, que sua interpretação deve se dar seguindo os ditames da Constituição Federal, ou seja, que os tetos apresentados nas alíneas do artigo 223-G, § 1º devem ser vistos apenas como parâmetro de orientação ao julgador. Importante transcrever o extrato da decisão proferida pelo STF: “(...) O Tribunal, por maioria, conheceu das ADIs 6.050, 6.069 e 6.082 e julgou parcialmente procedentes os pedidos para conferir interpretação conforme a Constituição, de modo a estabelecer que:

1) As redações conferidas aos arts. 223-A e 223-B, da CLT, não excluem o direito à reparação por dano moral indireto ou dano em ricochete no âmbito das relações de trabalho, a ser apreciado nos termos da legislação civil;

2) Os critérios de quantificação de reparação por dano extrapatrimonial previstos no art. 223-G, caput e § 1º, da CLT deverão ser observados pelo julgador como critérios orientativos de fundamentação da decisão judicial. É constitucional, porém, o arbitramento judicial do dano em valores superiores aos limites máximos dispostos nos incisos I a IV do § 1º do art. 223-G, quando consideradas as circunstâncias do caso concreto e os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da igualdade. Tudo nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Edson Fachin e Rosa Weber (Presidente), que julgavam procedente o pedido das ações. Impedido o Ministro Luiz Fux. Plenário, Sessão Virtual de 16.6.2023 a 23.6.2023. (...)”


O Ministro Relator, Gilmar Mendes, entre outros argumentos nababescos, mencionou em seu voto a jurisprudência do STF e dos Tribunais Superiores, no sentido de que a Lei Ordinária não pode prever valores máximos para quantificar a indenização do dano moral, seja na seara trabalhista ou na seara da responsabilidade civil em geral. O julgamento proferido pelo STF representa régio avanço no tema, dando segurança jurídica aos litigantes justrabalhistas.


A interpretação do artigo 223-G, § 1º alíneas I, II, III e IV com base na teleologia constitucional afasta o caráter engessado e indigno que o legislador tentou dar ao dispositivo celetista que tarifava e tabelava as indenizações por danos extrapatrimoniais, validando os princípios da dignidade da pessoa humana, isonomia constitucional e da reparação integral do dano causado.


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