“Sem indivíduos inteligentes, não há cidades inteligentes”
Por Franco Cristiano
Fotos Divulgação
Pensar em uma cidade inteligente (smart city) é caminhar para além da concepção ficcional e tecnocientífica de um território urbano, imaginariamente, marcado pela hiperconectividade e carros elétricos. A bem da verdade, uma cidade inteligente, pode, quando não, até deve se valer dos mais diversos recursos tecnológicos disponíveis, contudo, jamais se deve deixar de compreender que este aparato tecnológico não deve encontrar fim em si mesmo. Toda esta tecnologia deve ser aplicada para alcançar eficiência no uso recursos naturais disponíveis que devem estar voltados à sustentabilidade. A partir de um critério técnico normativo, por definição da ISO 37122:2019, as cidades inteligentes devem responder a desafios contemporâneos relevantes, como as mudanças climáticas, instabilidade política, econômica, social, sobremodo pelo engajamento dos diversos atores sociais, através de modelos de ampla colaboração, fazendo uso, por exemplo, de recursos tecnológicos como Inteligência Artificial, Big Data, dentre outros instrumentos, que permitam a melhora nos serviços públicos e privados, o uso inteligente dos recursos naturais, a qualidade de vida da população em uma perspectiva atual e futura.
Nestes casos, se deve ter em vista que os indicadores de cidades inteligentes, reafirma-se, como a energia, meio ambiente, meios de transporte, consumos de recursos e consumo de água poderão ser eficientemente medidos, comparados e analisados a partir de sistemas tecnológicos inteligentes, mas a instrumentalização tecnológica é meio, não fim. O fim é o uso sustentável dos recursos disponíveis, dirigidos a melhoria contínua da qualidade de vida das gerações atuais e futuras. Uma cidade não poderá ser considerada inteligente, se não fizer uso dos recursos tecnológicos, para buscar metas associadas a governança, transparência, planejamento urbano, meio ambiente, economia, estabilidade social, valorização da diversidade, dentre outros elementos que podem atuar como indicadores específicos da qualidade de vida de seus moradores. Poderá ser detentora de um parque tecnológico avançado e, ainda assim, não ser uma cidade inteligente.
As cidades inteligentes que pretendem ser consideradas inteligentes, portanto, sobremodo à luz dos padrões internacionais, devem solucionar problemas do cotidiano de sua população em todos os níveis e escalas. Do contrário, como mencionado, ainda que façam uso de larga instrumentalização tecnológica, não poderão ser consideradas cidades inteligentes. De fato, uma pequena cidade, ainda que seja desprovida de conexão a Internet, pode ser considerada inteligente se, por intermédio do autofalante de uma igreja, consegue motivar o uso da coleta seletiva de lixo por parte dos seus moradores, por exemplo. E isso porque fez, sim, uso inteligente de seus poucos recursos tecnológicos (o altofalante da igreja) para melhorar a qualidade de vida de seus moradores e melhorar a preservação do meio ambiente.
Por óbvio que, o sensoriamento urbano, a Internet das coisas (IoT) podem ser valiosos parceiros na construção de cidades mais inteligentes. As redes 5G permitirão, em razão de sua baixa latência, isto é, pela sua capacidade de comunicação praticamente instantânea, a medição quase instantânea da qualidade do ar de uma determinada região de uma cidade, para assim, se necessário, direcionar o trânsito de veículos para uma região mais adequada naquele exato momento. Os cidadãos poderão acompanhar debates públicos e opinar sobre determinado projeto de lei em tempo real, permitindo a construção de um processo democrático cada vez menos dependente de representantes. Sistemas inteligentes poderão prever, com razoável antecedência, os riscos à saúde em um determinado indivíduo, viabilizando o tratamento preventivo e impedindo que o prognóstico se concretize. Além de salvar vidas, este tipo de tecnologia implicará na redução da sobrecarga do sistema de saúde com a redução de seus custos. O fato é que cidade inteligente é a cidade com foco no desenvolvimento sustentável, na busca incessante pela melhora da qualidade de vida da população.
E merece destaque ainda, que diversas medidas podem ser adotadas para tornar uma cidade inteligente, muitas vezes sem qualquer emprego de tecnologia de ponta. Neste sentido é a construção de cidades mais caminháveis, é a construção de ciclovias e ciclofaixas. É a disponibilização de espaços para realização de atividades físicas e áreas verdes. É o fomento à cultura, é a valorização da arte e da história.
Qualidade de vida
O crescimento contínuo da população em todo o mundo exige que as cidades desenvolvam soluções como resposta às necessidades sociais. Por essa maneira, as cidades inteligentes utilizam de meios tecnológicos para otimizar a entrega dos serviços públicos e melhorar a qualidade de vida da população. Uma cidade inteligente é aquela que disponibiliza incentivos, que motiva o mercado imobiliário a voltar seus olhos para a realização de empreendimentos mais sustentáveis, como o uso de energia limpa, empreendimentos que estrategicamente mitiguem a formação de ilhas de calor, que não dependam da supressão de grandes fragmentos de vegetação nativa.
Em um cenário marcado por uma crise hídrica iminente, projetos voltados ao reuso da água, por exemplo, se tornam praticamente obrigatório para as cidades que pretendem ser consideradas inteligentes. A conversão de águas residuais em águas passíveis de reutilização, como para fins de irrigação, higienização de vasos sanitários, para uso em indústrias específicas deve, por exemplo, ser item prioritário na pauta de qualquer cidade que pretenda ser chamada de inteligente. O monitoramento em tempo real dos recursos hídricos, utilizados por uma indústria, dos impactos causados em determinado corpo hídrico em função do lançamento de seus efluentes, podem viabilizar a análise preditiva de impactos ambientais indesejados, permitindo correções de rota de forma antecipada, de modo a impedir o comprometimento muitas vezes letal destes recursos naturais.
A integridade dos recursos que tem disponíveis em suas mãos, não se tem dúvida, deve ser o grande propósito de qualquer cidade que queira ser chamada de inteligente. Cidades inteligentes são a tradução de comunidades inteligentes, de indivíduos inteligentes. Sem indivíduos inteligentes, não há cidades inteligentes. E indivíduo inteligente, não se deve ter dúvida, é aquele que lança os seus próprios olhos e esforços para a construção de uma comunidade eficiente e sustentável. Mais do que a aplicação da tecnologia pura e simples em um espaço.
Franco Cristiano da Silva Oliveira Alves
Advogado com atuação em Direito Ambiental, Urbanístico e Imobiliário. Autor de diversos artigos e livros sobre urbanismo e sustentabilidade. Sócio Diretor da SPBR Planejamento e Consultoria Urbanística e Ambiental. Diretor Executivo da Évora Urbanismo.
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