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Foto do escritorPalmira Ribeiro

HUB ECONOMIA: Se correr o bicho pega, se ficar ele morde

“Vejo energia em muitos, mas sinto que remamos em grupos com direções opostas"


Por Adalberto Deluca

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Sobre ser brasileiro, sobreviver, ganhar, perder, superar ou ainda sobre o privilégio de estar aqui nesta geração. Ouvir alguém dizendo que ‘não está fácil’ me preocupou porque nunca foi, também nunca foi tão prazeroso entender, tentar entender e viver tudo que estamos vivendo nessa década. Você olha para os arautos do mercado financeiro e pensa que está no jardim de infância onde a gangorra sobe e desce de acordo com o peso de cada um. Até parece uma brincadeira de mau gosto quando se ouve horrores porque a bolsa caiu, tristeza porque a inflação subiu, sem contar um tanto de interesses mesquinhos do colega ruim de bola, dono dela, que leva a redonda e não deixa ninguém jogar.

Mudando a brincadeira até parece pique-esconde porque alguns grupos mais fortes se juntam - mesmo se odiando - e aproveitam tudo que acontece à sua volta, claro, desde que gere ganhos financeiros expressivos. No outro canto, escuro, está a turma do ranger de dentes que toda noite dorme pensando em como pagar os impostos do mês seguinte. E não tem jeito, a turma dos fortinhos vai vencer e teremos que pagar. Seguindo em frente encontramos lá no outro canto a turma dos coitadinhos, aqueles que todo mundo sabe quem são, todo mundo diz ter piedade da condição em que vivem, dize-se que ninguém ajuda ou, aliás, só quando podem ou quando querem ajuda. E ainda por cima os caridosos vão à igreja em busca das benesses divinas porque consideram que são benfeitores.


Especificando como será a festinha de aniversário em que toda a criançada será convidada podemos ver a gangorra dos juros. É nítido que o país teve recursos para investimentos há pouco tempo, porque o maior devedor do mercado - nosso irmão e funcionário, governo - teve condições (ou coragem) para baixar as taxas nominais e com isso sobrou mais dinheiro no caixa. Quanto de diferença isso fez. Já relembrando daquela turminha forte citada, alguns deles não gostaram da brincadeira e aproveitaram que uma desconhecida doença assustou o nosso coleguinha bom de briga (o povo mesmo, ok?) e... mudaram o jogo.


Aí você sai pelo Brasil desurbanizado (aqui assassinando o português...) e vê tanta produção de tudo, tanta exportação de tudo, tanto transporte, tanto alimento para o mundo e fica com a sensação de que seu amiguinho te chamou para a festinha de aniversário só porque não tinha pula-pula. Mas gangorra não falta. Se produzimos tanto em produtos primários, se temos tanta ignorância (do substantivo feminino: falta de conhecimento sobre determinado tema), por que ainda rimos à toa se as piadas do palhaço estão sem graça? (Aliás, exceto as apresentações épicas do cidadão comum, ainda existe essa profissão, ou os amadores dominaram o mercado?).



Ah, vá? Diriam os paulistas do interior. Bah... por sua vez os gaúchos. Ô xente, nossos irmãos do belo nordeste, trem doido, arrematariam os mineiros... mas de que mesmo tanto se fala? De minha parte nunca vi tanta algazarra no recreio. Especialistas de toda espécie fazem previsões ou comentários escabrosos e de repente somem do mapa quando sua pataquadas não se confirmam. Tem até generalista especializado... comenta sobre todos os temas. Parecem técnicos de futebol de arquibancada. Sabem tudo sobre nada. E a patuleia ali, pregada na tela para ter o que “comentar” no dia seguinte. E nas esquinas e bares surgem novos especialistas. E depois ainda vem alguém e cunha o termo ‘fake news’. Eu vejo, ouço e me arrepio. Aliás, sabe a imagem que me vem à mente quando leio essa expressão? Jaws, o primeiro filme de super tubarão. Assustador! Coisa de um povo que sempre acreditou em tudo e todos.


E taca-lhe pau nas inverdades e nas verdades efêmeras, mais fugazes que fumaça fraca em

vento forte. Assim, amanhecemos com a crise do petróleo, ao meio-dia alguns daquele grupo mais forte que sempre metem medo na saída da escola, já enriqueceram mais um “cadinho” e às cinco da tarde, a turma que range os dentes e paga a conta, já está mais pobre um pouco. Aí, alguns desses para fazer de conta que ainda têm poder de fogo vão para a happy hour, tomam umas, riem muito do próprio infortúnio (sem olharem no espelho pra não se reconhecerem) e afundam a testa nos retângulos mágicos que carregam no bolso - ou exibem nas mesas com as lentes para cima numa disputa de quem tem mais câmeras para fazer... selfie - tudo selado a uns petiscos baratos para não estourar o limite do cartão de crédito. Isso aqui está até parecendo um corolário de missa de domingo, entretanto são apenas a expressão do nosso novo cotidiano.


E o mais interessante é que se dermos uma volta na periferia, lá onde as pessoas são felizes, vemos que tudo o que passou pela gangorra de mais um dia do resto de nossas vidas de classe média, mediana ou medíocre, não entra na brincadeira da turminha do tênis falsificado, da cachaça industrial e da cerveja em promoção com cereais não maltados. Eles passaram o dia brincando de amarelinha. Pulando em um pé só, saltando as adversidades e por fim chegando ao céu, aqui mesmo. Revejo os costumes das áreas menos favorecidas e tento conferir o que mudou durante anos e anos. Quase nada. Por ali o crime maior ainda é a vigarice de alguns ou o calote na vendinha da esquina; a dança de forró das mulheres que trabalham três turnos e riem de tudo; o aperto do salário curto e da carestia sempre com foice na mão - sem fundo vermelho, por favor.

As doenças são mais leves, os enfartos por brigas de herança não existem; a casa nunca pode ser arrestada porque sempre faltam muitos anos para quitar; advogado conhecido só o parente inteligente que passou no concurso. Só não se percebe mais o campinho de terra que fabricava craques. Até porque do lado de fora dele já não haveria mais as mães com o chinelo na mão e sim outros feitores que jogam pesado, mas esse assunto é de alta periculosidade, melhor deixar para lá. Sobre esse último desalento, que problema há se os estádios são só para a classe alta, as camisas falsas são confiscadas e as legítimas já custam o preço de uma cirurgia plástica? Melhor ver NBA na tv parcelada, afinal ainda há algo que preste nos canais sedentários (um arroubo ou paródia para canais dentários, desculpem).


De brincadeira em brincadeira, da infância à velhice, do novo bairro nobre à simplicidade

do bairro popular a verdade é que insistimos em manter tudo como era, como está e como estará se não tivermos um mínimo de instrução para nossas incontáveis ignorâncias, desde não saber como nascem as crianças (de novo apenas parodiando, agora com nosso não saber sobre que o que comemos, vestimos e usamos, que por exemplo, são produto do agronegócio). O certo é que vivemos um dos maiores paradoxos das gerações que já querem pendurar as chuteiras.


Nos anos setenta encheram nossa paciência e roubaram nossa alegria com musiquetas bradando contra o regime (e mesmo assim o único que contava era o inimigo da balança); depois fecharam as fronteiras para termos com orgulho nosso próprio PNB (Produto Nacional Bruto) e o que sobrou daquilo tudo foram as fronteiras abertas para o contrabando entre outras coisinhas e um enorme PIP (não, não é PIB) porque foi apenas um Produto Interno Pobre. Aí disseram que nossa década de ouro seriam os anos noventa sem inflação e com um pires na mão, pois estávamos atrasados em tecnologia e pobres na conta bancária. Então abriram as fronteiras da “modernidade”, sabendo-se lá o que é isso. Está bem, mas como não acreditar no novo milênio? Logo depois da inauguração da década mágica, onde a expectativa de vida só prometia infâncias mais longas - porque me acostumei a ver os velhinhos rindo à toa e achava que seria uma nova idade de alegrias - e aposentadorias somente na famosa porta da esperança.

Peço que entendam que fiz essa excursão digna de acampamento de escoteiros para instigar a minha mente e a sua paciência (caso tenha se arriscado na leitura até aqui) e buscarmos entender o que há conosco que nos estressamos com as pessoas e rimos à toa para a telinha retangular que sacamos dos bolsos e bolsas. Que aceitamos o passar do tempo sem que nada se passe, com a falsa certeza de que evoluímos, de fato. Porque nos acostumamos tanto com o consumo fácil das redes e comércios eletrônicos sem nos preocuparmos se teremos um amanhã digno de olharmos para trás, com um sorriso suave no canto da boca e um brilho contagiante nos olhos.


Isso porque não temos um sistema de aposentadoria que não tire nosso sono. Temos um sistema de saúde privado que já é pior do que o público e com preços suíços. Temos uma legião de jovens analfabetos funcionais chegando ao mercado de trabalho. Temos um atraso tecnológico de fazer inveja ao Burundi. Temos um agronegócio pujante, mas pouquíssimo valor agregado. Então, de tanto ter, temos tão pouco em esperança de ver nossos impostos valerem o quanto pesam, de saber que o envelhecimento da população está se aproximando e o empobrecimento da classe média abre um abismo na pirâmide social que me faz pensar em uma girafa gorda, com cabeça de ouro e enorme pescoço de pau-de-sebo sendo assim lenta para andar, carrega um tesouro no alto que não pode ser alcançado pelo caminho escorregadio para chegar lá.


O que chama a atenção é como estragamos o parquinho em todas as praças. A Europa tentava ajustar o desajuste vindo de longe com a imigração em massa e hoje está em nocaute com a inflação e uma guerra para chamar de sua na hora que chegar o inverno e a falta de energia criar um inferno gelado.



Os Estados Unidos padecem de falta de mão de obra e de comando para conter os preços em descontrole - um esporte que não dominam - e por aqui a vizinhança luta para entrar no playground dos colegas mais abastados e se afundam em populismos sem fim. E não se pode nem sugerir para brincarem de pular corda. Vai que a coisa fique séria. Isso denota pessimismo? Não para mim. Uma constatação sim, para as gerações ainda produtivas cujo legado poderá ser, um futuro de verdade a quem vier daqui a um tempo e um abismo para fazer valer nossas crenças e boa-fé de pelo menos quatro décadas (ultra)passadas - aí só jogando escravos-de-jó.


Vejo energia em muitos, mas sinto que remamos em grupos com direções opostas. Aí a brincadeira fica sem graça. Se a bola furar ou cair na casa do vizinho, vamos acabar indo para casa meio assim, borocochô, para usar uma expressão em desuso - triste, desanimado, cabisbaixo - que só os moleques de rua sabiam o significado e que traduzo aqui para fazer ferver nosso sangue latino. E pensar que passam os anos e ninguém conta que o bicho-papão não existe, sendo que até o tal pontífice chega a dizer que “Deus” não existe (e isso não é brincadeira de mau gosto de minha parte). Enfim acredito que não precisamos correr, podemos enfrentar o bicho!


Adalberto Deluca - consultor sócio da Know How Consulting, palestrante

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