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DEMI GETSCHKO - O pai da internet no Brasil analisa o futuro da rede no país

Por Alitéia Milagre e Yuri Gandavvv

Foto: Divulgação

Demi Getschko, engenheiro eletricista, pioneiro da Internet no Brasil, diretor-presidente do NIC.br e conselheiro de notório saber do CGI.br, participou do 13º Fórum da Internet no Brasil (FIB13), realizado em Uberlândia, e concedeu entrevista exclusiva à Revista Hub. Getschko é o único brasileiro a se integrar ao Hall of Fame da Internet, que reúne sumidades cruciais para a evolução da internet no mundo em toda sua história. Em 1991, foi responsável pela primeira conexão TCP/IP no Brasil, consentindo que a rede mundial de computadores regressasse ao país. Entre outros assuntos, ele discorreu sobre o Marco Civil da Internet, a segmentação da rede, IA e suas plataformas, o registro BR e muito mais.


HUB: O que você acha da regulação da Internet no Brasil?

Demi: Não estou muito preocupado com a segmentação dos níveis elevados da rede. Como em qualquer sociedade, você pode não frequentar um círculo vegano porque você é carnívoro. Então, esse tipo de segmentação acontece em lugares onde não há a neutralidade, onde não é necessária a neutralidade. Onde é necessária a neutralidade, não deve haver segregação e não deve haver segmentação. É um nível que não me preocupo nesse instante. O que me preocupa é uma segmentação básica da internet, que impede que esse ambiente interligado se mantenha interligado.


HUB: Você acredita que com a vinda do 5G isso vai se tornar mais difícil?

Demi: O 5G é mais uma ferramenta de conexão, como existe o Wi-Fi, Wi-Fi 6, fibra óptica, entre outras coisas. Então, às vezes, isso é vendido como algo, digamos como um toque mágico sobre a internet, mas ele é simplesmente mais disponibilidade de banda, mais disponibilidade de acessibilidade, é mais uma ferramenta no processo, ele não tem nada a ver diretamente. A internet começa acima disso. Começa com IP e isso está abaixo da primeira camada da internet em si, está na camada de telecomunicações, que é o que viabiliza as conexões. Então, não vejo correlação imediata entre 5G e o futuro da internet.


HUB: Sobre a Internet das Coisas (IC). É uma tendência que vai se intensificar nos próximos anos? Você também já pensou em ter uma casa toda inteligente?

Demi: É inevitável que vai acontecer isso, porque todas as coisas hoje têm capacidade de processamento, de interconexão e, obviamente, elas se interligam. Se elas têm capacidade ou não de gerar coisas espertas ou inteligentes são outros 500. Mas a IC tem capacidade de nos dar conforto e também de nos causar danos. Então, ela vai gerar um mundo em que as coisas serão acessíveis para todos. E quando você fala das suas coisas, pode ter uma privacidade envolvida. De repente, você não gostaria que a sua geladeira fosse acessível ou que a sua balança fosse acessível pelo seu médico, porque poderá dizer que você está tomando cerveja demais e, por isso, você está gordo. Então, existe uma perda de privacidade e existe o conforto. Quando você chega na sua casa o portão já abre, é bom, mas é claro que ele também pode abrir se alguém hackeou e fez abrir numa hora errada. Essa é uma realidade complicada, que vamos ter que encarar. Não há como evitar porque as coisas estão todas interligadas e vamos precisar de ferramentas que nos permitam controlar minimamente o nosso entorno, o nosso ambiente, para não sermos vítimas de um processo que avança cada vez mais, inclusive com a Inteligência Artificial.


HUB: Pegando o gancho da IA, existe um certo receio a respeito dela. Um exemplo é o chat GPT, que pode tomar o lugar do ser humano e ter um impacto negativo no mercado de trabalho. Como você vê essa tendência?

Demi: Toda tecnologia tem impacto no mercado de trabalho. Certamente, se você produzir a máquina de escrever da Olivetti não terá mais nenhuma colocação atualmente. Datilógrafos deixaram de ter visibilidade. Fabricantes de canetas tinteiro perderam espaço. Portanto, novas tecnologias afetam o ambiente de trabalho como um todo. A Inteligência Artificial tem um problema adicional porque, pela primeira vez, estamos criando algo que pode ter um poder ou controle sobre nosso dia a dia, não totalmente explorado, quer dizer que existem riscos nesse processo. Por exemplo, no caso do chat GPT, já o testei muitas vezes e ele erra várias coisas. Acredito que o fato de ele errar pode ser um fator preocupante, não um fator de alívio. A função dele, na minha opinião, não é acertar o que quero que ele diga, é se fazer um interlocutor meu. Então, quando ele erra e você reclama ele fala: me desculpe, de fato, me enganei! Ele se comporta como um ser humano que errou. O erro dele é um erro muito humano, entre aspas. Ele fala como seu amigo falaria: pisei na bola, desculpe aí e tudo mais. Isso para mim não é um atenuante, é um complicador.


HUB: O uso da Inteligência Artificial “explodiu” com o chat GPT e foi expandindo para a produção de imagens, com o mid-turn, e agora existe o receio do deepfake. O caso do Papa foi emblemático, colocando-o de pulover, andando de skate. Como você vê isso?

Demi: É realmente preocupante, porque está cada vez mais difícil distinguir o que é real do que não é real. Filosoficamente, pode ter uma discussão mais complicada ainda. Afinal, o que é real? Uma foto é real porque replica algo, mas uma foto em IA, em si, é real, ela existe, mas não reflete uma realidade. Tem gente questionando o que é verdade. Eu diria que temos receio dos deepfakes. Certamente, o chat GPT hoje escreve melhor que boa parte dos brasileiros em português. Até tem um caso raro: um amigo que dá aula para o pessoal que vem de fora sabia distinguir, por exemplo, os chineses na redação. Hoje ele não consegue mais saber de quem foi a redação, porque eles passavam por um filtro. Isso pode ser uma coisa positiva, pois está preservando a linguagem. Mas pode ser preocupante. Outro ponto que pode ser interessante é que ele recolhe tudo que existe atualmente e gera respostas sintetizadas, generativas. E isso pode servir para cristalizar algo no mundo, e não sei como vamos sair disso... Talvez você tenha gerado uma cápsula fechada e tudo é gerado e incorporado a partir do que existe, formando a nova cápsula. Ou seja, você não tem como sair desse negócio, está fechado no ambiente auto-generado.


HUB: Se alguém fizesse um deepfake com você, qual que seria seu sentimento?

Demi: Eu não tenho a menor ideia. Tem gente que faz caricatura, faz parte do humor. Sou totalmente favorável ao humor. Então, meu problema é se esse cara, digamos, incorporar ideias que não são as que uso e alguém acreditar. Isso não seria um deepfake, e sim um antípoda meu.


HUB: Em relação à Internet global no mundo, como você a avalia no País?

Demi: A internet no Brasil sempre foi bem. Fomos elogiados internacionalmente e não só pela governança dela via CGI, mas também pela parte técnica. O BR já tem mais de 5 milhões e 100 mil registros, é um dos melhores domínios do mundo. Somos o primeiro ponto de troca de tráfego do mundo, passamos da Alemanha e São Paulo. Quer dizer, temos só fatores importantes bem-vistos internacionalmente. O problema da internet no Brasil é problema do Brasil, quer dizer, como você faz ela chegar. Vi uma discussão, por exemplo, de inclusão de indígenas e do pessoal rural. Você não pode querer que eles entrem nessa discussão antes de dar conectividade a eles. Não podem discutir algo que eles não sentiram e não testaram.


HUB: O Marco Civil que, de alguma forma implementa o decálogo do CGI, define o quê? Demi: O Marco Civil define as regras do jogo. Ele não impede que você aja quando precisa agir em um caso ruim. O ponto mais polêmico, que é o artigo 19, diz que uma plataforma, seja lá o que for, um intermediário, não é obrigado a remover algo, exceto por ordem judicial. Ele não diz que não pode ser responsabilizado por uma bobagem. Se ele é a pessoa que envia, evidentemente, ele é o responsável. Às vezes, uma leitura, digamos, incompleta do Marco Civil nos leva a criticar coisas que são, na verdade, de principio lógicas, como o decálogo do C.G. também é. E princípios, em geral, não se questiona. Você não vai questionar os direitos humanos e a democracia. Você vai construir sobre isso. Então, meu ponto seria, vamos construir coisas sobre, mas não precisa, digamos, atirar no banco em cima do qual você está sentado, que é o Marco Civil e o decálogo.


HUB: Falando sobre o domínio “BR”, como foi registrar o BR para o Brasil?

Demi: Registrar o BR foi uma época em que a internet era romântica. O Jon Postel, quem cuidava da raiz, viu que o Brasil já estava razoavelmente entendendo de rede, já tinha uma porção de universidades ligadas e falou:“peguem um sobrenome pra vocês usarem, para não ter que ficar trocando nomes por coisas estranhas”. Foi uma conversa entre integrantes de rede, sem participação de governo, ministérios e instituições. Assim foi a delegação original. E ela continua até hoje. Esse era o espírito da internet. A internet não tem uma localização específica, não devia ter. Quando você começa a discutir isso, você está indo num esquema que não é o original da internet, que nunca se preocupou com isso. No Internet Engineering Task Force (IETF), um fórum aberto que se reúne três vezes por ano, desde os anos 90, que discute padrões, nunca se perguntou quem é o cara, se é do Brasil, sé da Austrália. Ele é o cara que entende de DNS, ponto. De onde ele é, é irrelevante.


HUB: O CGI funciona muito bem aqui no Brasil. Ele é um exemplo para outros países?

Demi: Sim. Vários países elogiaram e alguns tentaram imitar. O Líbano fez isso, acho que o Egito tentou fazer. Quer dizer, o CGI tem essa vantagem de que não é governo, não é regulador, ele não impõe nada, ele só orienta. E a internet, em geral, funcionaria assim, a partir de orientações que a comunidade como um todo decide que é o melhor. Tivemos o apoio no caso da Cicarelli, de um monte de ativistas que disseram que não poderiam tirar o Youtube do ar porque tem um vídeo ruim, porque também tem um monte de outros vídeos bons. Não estou defendendo o Youtube, estou dizendo que você tem que ter medidas proporcionais e atingir a raiz do problema. Você não vai tirar uma rua do ar porque tem contrabando na rua.


HUB: Qual o futuro da internet?

Demi: A resposta clássica que dei muitos anos atrás e que mais ou menos acontece, mas talvez do ponto de vista ruim, é que a internet vai sumir, você não vai enxergar que ela existe, vai usar as coisas sobre ela, mas ela em si, você não vai ver. Essa seria uma resposta, digamos otimista, se esse sumiço indicasse uma permanência dela como substrato. Se você quer um substrato da internet e crescem ervas boas e ervas daninhas, mas o substrato é bom, então preservo o substrato e se tiver uma erva ruim, ataco a erva, não o substrato. Nossa ideia é preservar o substrato, essa plataforma

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