Novo disco está entre as mais belas viagens sonoras de Zé Ramalho.
Por Chico Lúcio | Jornalista
Fotos Leo Aversa
O paraibano Zé Ramalho está de volta em ‘Ateu Psicodélico’ - álbum de canções inéditas depois de 10 anos. Elaborado durante a pandemia, apresenta 12 canções onde o autor retorna às suas origens cristalizadas no universo métrico e sonoro da sua matéria-prima que são os repentistas, violeiros e cordelistas aos quais permanece fiel discípulo. A esta essência-mãe, Zé criou um espetáculo majestoso que vai dos genuínos ritmos nordestinos ao rock e outros signos e chispas que, na solidão do seu processo criativo, sublimou letras e melodias em um disco icônico, ricamente construído em cada detalhe dentro do surrealismo que encanta, surpreende, questiona e nos coloca no seu admirável mundo novo.
Mais do que nunca o seu misticismo corre nas veias de cada canção, jorrando sentimentos, delírios, mistérios e observações desta vida comum a todos nós. Zé Ramalho faz isso de maneira única e intraduzível, bebendo da mesma fonte que sempre o saciou ao longo destes 45 anos, desde que cruzou a soleira do Avôhai, marco de sua trajetória antológica dentro da música brasileira. Para os céticos, Zé se apresenta novo, revigorado e triunfal.
Para os que o admiram (mesmo sem entender até hoje o que ele fala e canta) renova sua mensagem e prova que sua obra nunca teve e nunca terá prazo de validade. E para aqueles que insistem em criticar ou definir seu trabalho, Zé mostra que continuam sem entender absolutamente nada de sua fantástica e instigante obra.
‘Ateu Psicodélico’ está entre as mais belas viagens sonoras de Zé Ramalho. Um passaporte para o real e o eterno na multiplicidade cravada em sua voz de trovão que relampeja raios e faíscas que nos atormentam, enquanto nos acariciam. Com requinte e agenda lotada, Zé está longe do fim apregoado por muitos, os mesmos que depreciam seu trabalho, dando murro em ponta de faca, submersos na ignorância e falsa intelectualidade quando a carruagem
passa e eles ficam pelo caminho.
Transmutação
O disco se abre com “As Onze Palavras”, passa por “Beira-Mar, A Ressurreição”, “Cópula”, “O Diagrama da Alma Dourada”, “A Estrada de Tijolos Amarelos”, “Martelo Armagedon” (participação do acordeonista Waldonys), “O Gosto Fino das Sensações”, “O Que o Mundo Não Sabe Explicar”, “Olhar Entorpecido”, “Repentista Marvel” (participação do guitarrista Andreas Kisser/Banda Sepultura), “Amanhecer Tantra” (com Waldonys) e “Sextilhas Filosóficas”. Tudo isso realçado pela visionária produção de Robertinho de Recife em lançamento assinado por Avôhai Music / Discobertas. Ateu e psicodélico, Zé Ramalho teve a inspiração do nome do disco enviada numa carta-poema pelo ex-mutante Arnaldo Baptista.
Literalmente ramalheano este novo álbum não é simplesmente para ser ouvido. Merece muito mais. É para ser desvendado em suas entranhas na guitarra pinkfloydiana de Robertinho de Recife e na mediunidade das faixas. Em cada uma delas existe um mar de poesia, de musicalidade, de um misticismo sedutor que nos transmuta para algum lugar desconhecido e com entrada restrita aos que se propõem viajar de corpo e alma com Zé Ramalho.
Chico Lúcio é jornalista e pesquisador da obra musical de Zé Ramalho
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